segunda-feira, 6 de julho de 2015

Despiu a mulher diante de todos nós.

“- Você se orgulha do que escreveu?
 - Acho que responderia afirmativo se ao menos conseguisse distanciar meu trabalho do próprio processo criativo”.
Diálogo entre um repórter e uma poetisa no livro O Silêncio das Montanhas (p.184), de Khaled Hosseini. Ela continua e tenta explicar o que disse:
“- Eu vejo o processo criativo como um empreendimento necessariamente desonesto. Aprofunde-se num lindo texto escrito e vai encontrar todos os tipos de desonra. Criar significa vandalizar a vida de outras pessoas, transformando-as em participantes involuntários e inconscientes. Nós roubamos desejos alheios, seus sonhos e embolsamos seus defeitos. Pegamos o que não nos pertence. E fazemos isso conscientemente”.
Em meu livro Adão, Feito da Terra exploro na primeira pessoa (como se fosse eu) a angústia do jovem professor de arqueologia quando um caso amoroso com uma aluna é tornado público de uma maneira devastadora. Aposso-me de seu estado down, esmiúço-o.
A poetisa Nila é bem franca: “Eu fazia isso não pelo amor a alguma grandiosa noção de arte, mas porque não tinha escolha. A compulsão era forte demais. Se não me rendesse a ela, eu perderia o juízo. E você me pergunta se sinto orgulho do que escrevi!”
(a orquídea aqui de casa nos galhos da pitangueira)

Veja esse soneto de Vinícius de Moraes:

Soneto de Devoção

Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.
Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria.
Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.
Essa mulher é um mundo! — uma cadela
Talvez… — mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!

Que lindo, não é? E não despiu perante todos nós essa mulher?!    

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