“- Você se orgulha
do que escreveu?
- Acho que responderia afirmativo se ao menos
conseguisse distanciar meu trabalho do próprio processo criativo”.
Diálogo
entre um repórter e uma poetisa no livro O Silêncio das Montanhas (p.184), de Khaled Hosseini. Ela continua
e tenta explicar o que disse:
“- Eu vejo o
processo criativo como um empreendimento necessariamente desonesto.
Aprofunde-se num lindo texto escrito e vai encontrar todos os tipos de desonra.
Criar significa vandalizar a vida de outras pessoas, transformando-as em
participantes involuntários e inconscientes. Nós roubamos desejos alheios, seus
sonhos e embolsamos seus defeitos. Pegamos o que não nos pertence. E fazemos
isso conscientemente”.
Em meu livro
Adão, Feito da Terra exploro na primeira pessoa (como se fosse eu) a angústia
do jovem professor de arqueologia quando um caso amoroso com uma aluna é
tornado público de uma maneira devastadora. Aposso-me de seu estado down, esmiúço-o.
A poetisa
Nila é bem franca: “Eu fazia isso não pelo amor a alguma grandiosa noção de
arte, mas porque não tinha escolha. A compulsão era forte demais. Se não me
rendesse a ela, eu perderia o juízo. E você me pergunta se sinto orgulho do que
escrevi!”
(a orquídea aqui de casa nos galhos da pitangueira)
Veja esse
soneto de Vinícius de Moraes:
Soneto de Devoção
Essa mulher
que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.
Essa mulher,
flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria.
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria.
Essa mulher
que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.
Essa mulher
é um mundo! — uma cadela
Talvez… — mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!
Talvez… — mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!
Que lindo,
não é? E não despiu perante todos nós essa mulher?!
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