quinta-feira, 8 de julho de 2010

Tu podes, por ti só, explicar


"Para início, tomaremos como base que não há coisa alguma que tenha jamais surgido do nada por qualquer ação divina".
Quem escreveu isto? Darwin, Freud? Não. Quem lançou, com estas palavras, as bases da evolução e denunciou a criação das espécies como uma invencionice foi o poeta romano Lucrécio, meio século antes de nascer Jesus. Leia seus argumentos em versos.
"Logo que assentemos em que nada se pode criar do nada, veremos mais claramente o nosso objetivo, e donde podem nascer as coisas e de que modo pode tudo acontecer sem a intervenção dos deuses. Realmente, se fosse possível nascer do nada, tudo poderia nascer de tudo, e coisa alguma teria necessidade de semente. Poderiam surgir homens do mar ou romper da terra a família dos peixes escamos.É evidente que, se surgissem do nada, repentinamente apareceriam, em lugar incerto e em estações desencontradas, porque não haveria elemento nenhum que
pudesse, por ser desfavorável o tempo, ver-se impedido de união geradora. E também não seria necessário nenhum tempo para se reunirem as sementes e crescerem os seres, se do nada pudessem surgir; de meninos pequenos se fariam de relance homens na força da idade e da terra sairiam as árvores já formadas. Sabe-se, porém, que nada disto acontece: tudo cresce pouco a pouco, como é natural, e de elementos determinados".
Acreditar na história de Adão sair da terra já crescido e explicar este absurdo dizendo: Deus pode tudo; é ananicar um poder supremo. Ou replicar, mas está na Bíblia e Deus não mente; é não querer ver que o conhecimento cresce aos poucos e a história de Adão é uma alegoria que circulava entre os homens da pré-história, antes de aprendermos a escrever, há 7 mil anos.
"Nada, portanto, volta ao nada; tudo volta, pela destruição, aos elementos da matéria".
Para Lucrécio também já era evidente que todas as coisas eram feitas de partículas invisíveis.
"Para que os corpos se possam transformar noutros corpos são necessárias duas condições: pela primeira, deve haver, como ligação entre eles, dando-lhes as suas características comuns de corpos, um elemento eternamente idêntico a si próprio; pela segunda, esse elemento deve
ser bastante móvel, bastante capaz de troca e de combinação, para desempenhar cabalmente o seu papel. Por outro lado, como não vemos nos corpos nenhum desses elementos, devem ser invisíveis. Vejam este exemplo: as roupas penduradas à beira da costa onde se quebram as vagas
enchem-se de umidade e secam, se as expomos ao sol; contudo, não se vê de que
modo se deposita a água, nem, por outro lado, como desaparece com o calor: é que
o líquido se divide em pequenas partículas que os olhos de nenhum modo podem ver".
Acho maravilhoso ler Homero pelo mesmo motivo, sabía-se muito, mas vagamente. Antes de todas filosofias e ciências tirarem nossa inocência, terem nos dado de comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, os homens escreviam com grande doçura e mesmo com toda dificuldade de registrar seus pensamentos desejavam ensinar o que sabiam. E não desculpavam os que não buscavam o saber.
"A um espírito sagaz bastam estas ligeiras indicações; por elas poderás com segurança conhecer o resto. Assim como os cães, logo que dão com sinais certos de passagem, encontram muitas vezes, só pelo faro, os abrigos cobertos de folhagem dos animais que erram pelos montes,
assim também, neste assunto, tu podes, por ti só, explicar uma coisa por outra,
penetrar por todos os recessos obscuros e de lá retirar a verdade".
Grande Lucrécio!

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