sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Uma brecha no passado


O alemão Günter Grass escreveu alguns romances famosos, que ele prefere chamar de fábulas. Estou lendo um de seus livros pela segunda vez. É a história da Polônia, principalmente da parte do seu litoral onde fica o estaleiro Gdansk. Mas o faz de uma maneira diferente. Seu personagem, também escritor, conta a história daquela região revisitando suas vidas passadas, falando da sua esposa em cada existência e das comidas preparadas por elas. Começa no neolítico com a rechonchuda Ava. O livro tem 640 páginas, mas vou lhe falar só de uma delas.
Nesta atual existência, quando estudava a oitava série, o personagem tinha um professor de latim sem entusiasmo (como também tive). A turma, para se ver livre das declinações: hic, haec. hoc, levava o mestre a discutir um assunto de que gostava, e assim ficavam sem a aula chata. Com meu professor, que foi padre, discutíamos a alma humana, com o dele o assunto era a beata Dorothea de Montau. No livro, o moço desenvolve uma tal atração pela mulher que viveu no século 14 que chega a conclusão que viveu com ela, foi seu marido bem mais velho do que ela, o forjador de espadas Albrecht Slichting. Durante a vida em comum ele não a compreendeu, bateu nela e não a protegeu de ser emparedada viva pelos monges dominicanos. Ele conta: “Eu confio em minhas lembranças pessoais e experiências dolorosas com Dorothea, pois eu fui, antes durante e depois da peste negra, aquele forjador de espadas cujo esforço de artesão e o pouquinho de prosperidade que amealhou foi destruído pela generosidade dela em todas as igrejas, leprosários, abrigos e hospitais”. Se naquela existência ele não soube ser um marido que a amparasse em seu desenvolvimento espiritual, hoje ele a compreende e se arrepende. “Dorothea foi a primeira mulher em nossa religião que se revoltou contra a pressão do direito paterno no casamento medieval. Pois só isso ela queria: ser livre”. Dorothea foi cananonizada em 1976.
Corre-se tanto duante a vida que raramente temos percepção de uma brecha que se abre para vermos uma existência passada que está gravada em nossa psique, nossa alma. Preste atenção: quando uma coisa vista na TV, numa revista ou em um filme lhe despertar um atenção especial é bem possível que você esteja entrando em sintonia com uma experiência em sua rica biblioteca de vidas passadas.

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