segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O Caráter Brasileiro


Ainda o livro Brasil País do Futuro; ele faz a gente refletir. Sweig insiste que nosso país passou por situações que o vem preparando para uma importante missão. Quando fala de Maurício de Nassau, por exemplo, diz: "Faz boa figura na História do Brasil. Como humanista trouxe a idéia de tolerância, permite a todas as religiões livre ação, possibilita a todas as artes fecundo desenvolvimento, e mesmo os velhos colonos não podem queixar-se de violência". Ainda assim os holandeses foram expulsos, mas "de um modo geral, o episódio holandês na História do Brasil representa uma sorte para este. Durou bastante para, por uma administração exemplar, fazer ver o que neste país, com organização boa e humanista, pode ser realizado". Deste modo, em nossa memória cultural ficou a marca de que é possível um governo digno e aprendemos ter paciência enquanto o aguardamos. Esta tolerância vai ser importante.

Porém, outra lição ficou gravada daquele tempo: "Do norte ao sul, a colônia sente-se agora um país unido, que está unanimemente decidido a com violência afastar do seu organismo toda intervenção violenta em sua vida nacional: tudo o que é estrangeiro terá que, hora em diante, amalgamar-se com o que é brasileiro, se aqui quiser manter-se. Na aparência, com essa guerra, o Brasil foi readquirido para Portugal, mas, na realidade, o foi já para si próprio. Nessa guerra entre portugueses e holandeses pela primeira vez aparece esse novo elemento ainda desconhecido em suas qualidades: o brasileiro".

Mais adiante, em São Paulo,"começa a formar-se um tipo curioso, o paulista. Constituído de portugueses ou de filhos de portugueses, que têm, no sangue, dum lado, o gosto da vida nômade dos índios, e, doutro lado, o gosto das aventuras dos antepassados europeus, essa nova geração não gosta de lavrar a terra que possui. Há muito que para eles esse trabalho grosseiro é feito por escravos, e a maneira lenta de adquirir riquezas não condiz com seu sangue irrequieto. Eles querem enriquecer à maneira de conquistadores, enriquecer de uma só vez, ainda que seja com risco da própria vida. Por isso, os habitantes de São Paulo, várias vezes no ano, se reúnem em grandes grupos, para, como bandeirantes, a cavalo, com um bandeira à frente e com um troço de servos e escravos, como outrora os salteadores, se embrenharem pelo interior, não, porém, sem antes fazerem benzer solenemente sua bandeira, numa igreja. Às vezes se reúnem até dois mil homens para tais entradas, e então, por alguns meses, a cidade e os povoados ficam sem homens. Eles próprios não sabem dizer o que vão procurar; são impelidos, em parte, pela aventura, em parte, pela esperança de um achado inesperado, nessas terras imensas e ainda não exploradas. Desde os dias em que os tesouros do Peru e as minas de Potosi foram descobertas, não cessam os boatos acerca dum lendário Eldorado. Por que não estaria ele no Brasil? Por isso os paulistas vadeiam os rios, sobem e descem morros, seguindo por caminhos escabrosos sempre novos, na direção em que o vento impele a bandeira. Por mera cobiça de lucros, esses bandos
destroem a obra de colonização dos jesuítas, penosamente realizada durante anos e anos;
despovoam-lhes as colônias, levam o terror a regiões longínquas em que reina paz, escravizam e
roubam seres humanos não só indefesos, mas também já civilizados e conquistados para o
cristianismo. Mas os paulistas, graças à rápida adesão de muitos mestiços, já são tão fortes que
preceitos e leis não podem intimidá-los". Os paulistas foram, então, os responsáveis pela larguesa do Brasil e foram, sempre a locomotiva de nosso desenvolvimento.

Outra lição que o povo brasileiro aprendeu foi-lhe dada por pelo primeiro imperador: "Só resignação oportuna do imperador, que não goza da estima do povo, pode ainda salvar o trono contra o assalto republicano, e por isso D. Pedro I, em 1831, abdica em favor de seu filho com o exato reconhecimento da situação: 'Meu filho tem sobre mim a vantagem de ser brasileiro'. Também nessa abdicação novamente a tradição brasileira é felizmente garantida: realizar revoltas políticas tanto quanto possível sem derramamento de sangue e de modo conciliador".

Aí estão as pilastras do caráter brasileiro.

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