sábado, 20 de junho de 2009

Descendo para Angra


Descendo a serra de Angra dos Reis, depois dos túneis, vejo as encostas cobertas de matas. Então reparo na Lua ainda no céu, são 8 horas. Meu pensamento dá um salto, lembro da teoria astronômica de que nosso satélite foi um pedaço arrancado da Terra por um choque cósmico muito tempo antes de surgir vida no nosso planeta. Começo a refletir sobre o tempo, talvez porque pouco antes estivesse lendo um comentário sobre Santo Agostinho e suas considerações a respeito de Deus. Para o patriarca cristão Deus existe numa dimensão onde não há tempo. Enquanto escrevo o ônibus já está em Japuiba, mas ainda estou descrevendo o que se passou em minha cabeça enquanto a condução fazia voltas lá no alto da serra. Veja como o tempo é caprichoso. Então, ainda descansando a vista nas encostas, imaginei como eram aqueles despenhadeiros quando tremendos cataclismos formaram aquelas penedias - bem mais agudas e despidas de vegetação -, e como depois de milênios sob a ação da chuva e dos ventos, do calor e do frio, e da intervenção das plantas e dos animais, como elas foram se moldando, as agudezas se arredondando e o tom marrom do chão seco ganhando uma cobertura com variadas cores, e ficando com o aspecto que vejo agora. Ainda lá naqueles altos percebi como é natural para uma pessoa simples, se admirando com o espetáculo da montanha vestida de matas verdes, emoldurada pelo azul pálido do céu de outono e tendo aos pés o mar acobreado, adorar a Deus como o criador de tão lindas coisas. E nos emociona tanto, com certeza, pela razão que Agostinho menciona quando diz: " Nele (no homem) estão contidos os princípios de todos os seres animados e de alguma maneira a totalidade do universo, e toda a beleza da criação". Ele quer dizer que somos parte, fomos feitos com pedaços dos materiais usados na feitura da rocha e da terra fértil, da braúna e da bromélia, da formiga e da abelha, do preá, da onça e do macaco, até mesmo dos gases que formam a atmosfera azul ou os sais que compõem o mar; por isto toda esta paisagem nos causa tanto bem estar. Mesmo o mais cético e menos sábio que atribui esta pintura a mãe natureza, ente mítico que comanda as leis da física e da química numa construção aleatória, também acha que tudo ficou muito bonita. Ainda outro, místico e romântico, que consegue ver nesta maravilha o trabalho de seres invisíveis, elfos, fadas, salamandras e outros, organizados sob a batuta dos orixás, igualmente se rende a esta lindeza. Mas tudo aconteceu com a permissão do velho mago, o tempo. Ele, o mesmo que me concedeu a oportunidade para escrever isto, sem pé nem cabeça, terminando em um momento tão diverso do que comecei e num lugar tão diferente daquela paisagem de Angra. (foto de Fernando Stickel)

Como o Brasil ficou para trás


Como foi que Brasil estando na frente de todas colônias das Américas até o final do século 17 deixou os EUA lhes passar a frente? O livro Brasil País do Futuro esclarece: "Ao
passo que os Estados Unidos há muito já se governam, ao Brasil não é permitido fabricar
tecidos, tem que obtê-los por intermédio da metrópole. Para intelectuais, para técnicos, para
industriais não deve haver lugar nem campo de ação no Brasil. Nenhum livro deve aqui ser
impresso, nenhum jornal ser publicado, e com a expulsão dos jesuítas tiram-se ainda do Brasil os
únicos indivíduos que difundiam um pouco de instrução. É preciso evitar toda e qualquer
ascensão econômica independente, toda e qualquer comunicação com o mundo".
Bem dessa razão já se sabia, os portugueses jogaram sujo com a gente, como ainda fazem quando os enfrentamos no futebol. Mas Stefen Sweig nos informa de outra causa: "Ainda ao tempo da proclamação da independência, na exportação levava o Brasil vantagem aos Estados Unidos da América do Norte, e as importâncias de suas vendas, em alguns anos, chegaram até a igualar-se às da Inglaterra. Mas no século 19 surge um novo elemento na economia mundial: a máquina. Uma só máquina a vapor em Liverpool ou em Manchester, que ocupa uma dúzia de operários, produz agora mais do que cem escravos e em breve produzirá mais do que mil. No momento decisivo em que se introduz o emprego do carvão, essa nova substância dinâmica para pôr em ação meios de transporte e máquinas industriais, não se descobre no imenso território do Brasil uma única mina de carvão. Todo quilo dessa substância tem que ser importado de longe e tem que ser pago caro com açúcar, cujo valor vai caindo rapidamente. Por isso todo transporte se tornaria dispendioso, e pela estrutura montanhosa do país a construção de estradas de ferro se retarda de irreparáveis decênios e mesmo depois só se vai operando muito lentamente. Numa época em que linhas férreas triplas ou quádruplas ligam o leste e o oeste, o sul e o norte dos Estados Unidos entre si, aqui no Brasil, cuja área é igual à desse país, nove décimos do território distam de trilhos quilômetros e quilômetros, e, ao passo que os vapores sobem e descem constantemente os rios Mississipi, Hudson e São Lourenço, raramente se vê no Amazonas e no São Francisco a fumaça duma chaminé. Por isso numa época em que na Europa e nos Estados Unidos as minas de carvão e as indústrias siderúrgicas crescem de ano para ano, o Brasil até boa parte do século dezenove permanece estacionado e impotente nos métodos do século dezoito. Sua situação econômica no início do século dezenove não deixa de ser, de certo modo, paradoxal, pois precisamente o país que possui mais ferro do que talvez qualquer outro, do mundo, tem que importar todas as máquinas, todas as ferramentas. Apesar de produzir algodão em extrema abundância, não pode deixar de importar da Inglaterra os tecidos de algodão. Como sempre no Brasil, grandes empates de capital que permitissem organizar as indústrias salvariam o país. Mas, desde que cessou o ouro, o Brasil tem falta de capital; por isso suas estradas de ferro, suas primeiras fábricas e suas poucas grandes empresas são construídas ou montadas exclusivamente por companhias inglesas, francesas e belgas, e o novo império, como colônia de grupos anônimos, fica entregue à exploração do mundo inteiro".
Foi assim que nós ficamos para trás. Deficiências políticas, financeiras e falta de um mineral, o carvão. Duas causas são atribuídas ao nosso povo – que nós mesmos menospresamos como pouco sério -, mas a outra foi alheia a nossa vontade. Veja os países árabes do golfo pérsico, vivendo em um deserto receberam da natureza a dádiva de imensas reservas de petróleo. Para quem tem uma visão espiritualista, estas benesses fazem parte de um amplo plano para a raça humana. O Brasil também foi conduzido para um papel no desenvolvimento do ser humano e
agora, mais preparados e com muitos presentes da natureza ainda guardados, quem sabe o Brasil se tornará um pais que vai liderar o mundo em que nossos filhos viverão.

terça-feira, 16 de junho de 2009


Citando o pensador Theodor Adorno: "A masoquista cultura de massa constitui a manifestação necessária da própria produção onipotente".
Veja bem isso. Produzir mercadorias tornou-se a grande necessidade de nosso mundo. No livro Meio Ambiente, mesmo tendo como principal tema este assunto diz: “Já no II e III Plano Nacional de Desenvolvimento, sentimos o interesse de preservar o meio ambiente sem comprometer o processo de desenvolvimento, tornando-se um desafio sério”. A poluição tem de ser controlada sem diminuir a manufatura de mercadorias.
É evidente que se precisam fazer objetos que atendam aos novos humanos que nascem todos os dias, mas o que os trabalhadores ouvem no "chão das fábricas" é outra coisa: Para manter seus empregos vocês têm de bater nova meta.
Assim lutando contra as máquinas que engolem postos de trabalho o operário vive num constante estresse. Na outra ponta o comprador do objeto fabricado precisa ser mantido o tempo todo sob uma estressante pressão psicológica que o induza a adquiri-los, ficando endividado e, assim, mais dependente do emprego que o desgasta tanto. É isto que Adorno chama de "cultura masoquista de massa".
Não se pode fazer nada contra esse círculo vicioso! Podemos. Precisamos dizer não ao desejo de gastar que foi implantado na gente como chip do mal e fazer o contrário do que mandou nosso presidente que já foi operário.. Também devemos lembrar que a premente necessidade de ter e de fazer está nos mantendo sequestrados. Vigiar, porque estão nos dominando e nos fazendo sofrer. Não podemos gostar dessa situação. Não somos masoquistas e se somos não continuaremos sendo. Com o pé no freio dos gastos vamos escapulindo desta armadilha. Fico por aqui, vou trabalhar. Preciso fazer alguém gastar para que eu possa ganhar o meu. Mas, de leve, venho baixando minhas metas e meus gastos, e desse jeito pressionando menos os outros.

sábado, 6 de junho de 2009

Padre Fábio de Melo nas entrelinhas


Fazendo uma releitura do padre Fábio de Melo compreende-se coisas maravilhosas sobre o ser humano. No livro Quem me Roubou de Mim ele diz: "Podemos nos compreender como realidades processuais, isto é, estamos em constante processo de feitura. O ser humano se constrói aos poucos. Tudo já está nele, mas é preciso conquistar-se, alcançar a essência; caso contrário, corre-se o risco de morrer sem ter chegado ao que essencialmente se é".
Um religioso não é necessariamente alguém que pensa o espiritual, ou talvez padre Fábio tenha decidido tratar só do ser humano em sua finitude. Mas não é o caso neste livro, porque, se não todo o esforço que ele nos propõe seria idêntico ao meu se escrevesse este arrazoado e não o salvasse, perdendo-o logo depois de ter escrito tudo. E padre Fábio insiste: "O fundamental já nos foi entregue, resta a árdua tarefa de levantar as paredes".
Para o espiritualista, aquele que vê no humano uma pessoa espiritual vivendo parte de sua existência como um ser biológico, passamos por isto para "tomar posse do que se é, mas que ainda não foi totalmente alcançado". Não que quem pense ser um espírito despreze sua vida terrena, esteja aprendendo só para complementar sua vida no mundo dos espíritos. Nem me diga que ter uma vida longa e bem vivida é o bastante. Já vive 65 anos, vi o Sol nascer e se pôr 21.000 vezes, e ainda quero mais. Preciso fazer tantas coisas ainda! Assim, os tantos que percebem sermos espírito não contam com a idéia de que sendo eternos podem deixar para outra vida a experiência de que fala o padre Melo: "Há talentos que só poderemos saber que os possuímos se fizermos alguma coisa para despertá-los".
Padre Fábio lembra Aristóteles que ensinou que "somos 'ato', tudo aquilo que já é, mas precisamos ser 'potência', tudo aquilo que o 'ato' ainda pode ser". "Terminar é o mesmo que deixar de ser". Só faltou dizer: então, nunca terminaremos porque existiremos sempre.

Uma manhã de céu muito azul trabalhava em Juiz de Fora, na rua Halfeld sempre cheia de gente. Subi em um prédio para visitar um dentista e no corredor passei por um idoso magro, com ralos cabelos brancos, segurando uma pasta velha e magra como ele. Era um vendedor, como eu. Perguntei, quantos anos o senhor tem? Oitenta e sete, foi sua resposta. Louvado seja Deus! - exclamei teatralmente - O senhor me deu a certeza de que jamais passarei necessidade. Poderei trabalhar até quase minha morte.
Não zombava dele. Realmente acho o meu trabalho tão bom que poderia e gostaria de realizá-lo ainda durante muitos anos. Ter a perspectiva - não tanto de ser útil à sociedade, já fiz isso por muito tempo e ganhei minha alforria - de continuar ativo, sem ficar relegado a um canto dando pena aos outros, me enche de estímulo.
Em uma de suas crônicas Paulo Coelho disse: ''Por que um dos sonhos de muitos humanos é um dia deixar de trabalhar? Porque não ama o que faz. Se não está satisfeito corra o risco de mudar tudo e se dedique ao que ama”.
(foto de Olívia de Cássia)

terça-feira, 2 de junho de 2009


Estou lendo frase por frase, o filósofo Theodor W Adorno. Frase por frase, e não tem outro jeito para compreendê-lo. Veja só este trecho: "Indiferenciado é tudo aquilo que é desconhecido, estranho, que transcende o âmbito da experiência. O grito de terror que acompanha a experiência do insólito fica sendo o seu nome. A transcendência do desconhecido diante do que é conhecido converte o temor em santidade e provem da angústia do homem. O homem tem a ilusão de que se libertará do medo quando já não houver mais nada desconhecido".
O homem primitivo ao se defrontar com um fenômeno natural prodigioso nomeava-o e este som, esta palavra, passava a designar o prodígio. "Desde que a linguagem entra na história, seus mestres são sacerdotes e feiticeiros. Quem viola os símbolos cai em desgraça diante das potências supraterrenas, mas é castigado pelos poderes terrestres". As religiões surgem e se hierarqueizam, se organizam em instâncias decrescentes, para cuidar dos símbolos, mantê-los misteriosos e dominar as pessoas comuns. Quem infringe um tabu devia ser punido pelo deus ofendido, mas na realidade a punição era dada pelos homens mesmo.
O indivíduo moderno se sente protegido pela ciência, dispensa as religiões, acha que nada mais é mistério. Para tudo que lhe é precioso existe salvaguardas, tanto os remédios para seu corpo, quanto os planos de seguro para seus bens. Tudo parece controlado e que estamos livres de surprezas. Mas quando o infortúneo acontece o medo volta a se apoderar dele. "Homens e deuses podem tentar, durante o tempo que lhes é dado, distribuir a sorte segundo alguma medida, mas no final a existência triunfa sobre eles. A venda sobre os olhos da justiça não significa apenas a proibição de intervir no direito, mas de que o direito não provêm de uma escolha livre". Assim pensava Adorno.
Por tantos modos procuramos uma explicação para a desdita, mas como diz no livro Provérbios: "A sorte e o acaso acontece a todos".