sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Serendipiti, você vai precisar disso.


Sabe o que é serendipiti (acento oxítano)? Tem um cronista dO Globo que gosto muito. Deixo sua matéria de sábado para ler depois do fim de semana, igual faço com as tiras dos quadrinhos: começo lendo Recruta Zero e deixo Hagar para o final, feito sobremesa. Foi ele, Arnaldo Bloch, que falou desta palavra no dia 4/10/2008. Citou a definição do dicionário de Cambridge: “A afortunada sorte de encontrar coisas valiosas e felizes por mero acaso”. Mas engasguei numa frase do Arnaldo: “A serendipidade é ainda mais bela por nada ter de sobrenatural ou esotérico: está mais ligada à intuição e à inteligência”. Acho que esta frase está errada e poderia dar origem a outras duas corretas: A serendipidade é ainda mais bela por ser sobrenatural ou esotérico: está mais ligada à intuição que à inteligência, ou A serendipidade é ainda mais bela por nada ter de sobrenatural ou esotérico: está mais ligada à inteligência.
Pois o que intuição? Enquanto a inteligência tem a ver com “a agilidade do pensamento”, a capacidade de explorar todas as informações que estão nos neurônios, a facilidade para lidar com a “marcha livre das idéias, da iluminação que nasce do deslize, da imaginação que subverte as soluções fáceis, corre riscos e, no meio do caminho converge para o inesperado final feliz”, a intuição vem “desde o grito original de sofrimento negro”, uma memória emotiva de sofrimentos e alegrias vividas por outras pessoas em tempos longínquos que temos guardada em outra parte de nossa mente, e também do “aproveitamento feliz do acaso”. Acaso que vai “dissolvendo e reestruturando (as personalidades), enriquecendo a malha da vida”.
Bem, o judeu Arnaldo não deve estudar a Cabala nem se importar com questões além da matéria, mas gosto demais do jeito inteligente dele escrever e de sua capacidade de perceber detalhes escondidos em nosso cotidiano.
Desejo à todos muito serendipiti. Que encontrem a felicidade em grandes e pequenas coisas, pelo acaso, pela inteligência ou com os talentos que vêm de outros tempos.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

A Queda do Império Norte-americano


Não quero te enganar não, mas iniciar um século nunca foi uma tarefa muito fácil. Coisas pendentes dos cem anos anteriores começam a feder e ninguém aguenta mais. Mudanças começam a acontecer. Não é de hoje que os precavidos falavam dos perigos que cercam as altas finanças. “Seu” Gumercindo, meu pai, comerciante português ressabiado e bem informado, dizia que antes de meter nosso suado dinheiro em ações de empresas devia se aplicar na firma da gente: “Ações é para quem vive especulando com isto”. Agora todo mundo está falando na falta de moral e ética dos financistas e alguns começam a falar que o Mercado precisa ser mais vigiado pelo Estado e que o capitalismo selvagem devia ser extirpado do planeta. Alguma coisa vai acontecer.
Um cientista político na Alemanha, Herfried Münkler, autor do livro Impérios, a Lógica do Dominância Mundial, diz que está no fim a “dominância americana”. Mais um império começa a ruir. Ele compara com o que aconteceu ao findar o império alemão na década de 1920. O fim de um Estado imperialista “provoca inicialmente um vácuo perigoso de poder... Sem a crise que abalou a Europa entre 1929 e 1932, o regime nacional socialista, o nazismo, não teria sido possível”. Não somente ele, mas outros analistas falam do perigo da expansão dos extremistas. Quando o gato sai os ratos botam a cabeça pra fora do esconderijo.
O que deve começar a acontecer, segundo ele e amparado nos exemplos da história, é que a “arrogância” dos EUA vai diminuir: “Como um império o país podia se dar ao luxo de usar uma doutrina unilateralista. A guerra do Iraque e a posição norte-americana sobre o aquecimento global são dois exemplos de como Washington, em vez de acompanhar a decisão da maioria das nações preferiu ditar suas próprias normas. Se podemos falar em algum efeito positivo dessa crise, então ele seria a maior disposição dos EUA de cooperar com a comunidade internacional”. Mas o lado negativo é que sem um xerife internacional “países que lutam para construir armas atômicas, como o Irã, podem aproveitar o estado de fraqueza do Ocidente para uma surpresa. Nunca a situação mundial foi tão frágil”.
Tem outra coisa. O império, nos últimos anos, cresceu desmesuradamente não só por ter criado uma falsa impressão de riqueza, os financistas fazendo que um dólar real se multiplicasse em trinta pela invenção de uma porção de papéis sem respaldo, mas por vender sua moeda ao mundo todo. Herfried disse: “Enquanto os países do Terceiro Mundo entravam em dificuldade com o aumento da dívida externa, Washington financiava seu débito atraindo capital do mundo inteiro”. Veja nosso exemplo: o Brasil juntou U$200 bilhões como reserva contra uma crise de crédito. Essa grana toda foi parar lá. Foi uma coisa certa, o país está mais ou menos blindado. Mas se esta moeda começar a perder o valor, a ser desprezada pelo mundo que vai preterí-la pela moeda chinesa, por exemplo, quem vai querer comprar nossos dólares? Eles mesmo não terão como recomprar os trilhões espalhados pelo planeta. Houve tempo que todo o dinheiro norte-americano em circulação era lastreado por ouro. Hoje, as reservas deles não cobrem nem dez por cento do dólar que circula pelo mundo.
Resta uma coisa para os EUA despencarem de vez, o que sempre aconteceu nos impérios que caíram. As mentes brilhantes trocarem suas universidades, empresas e laboratórios por trabalho em outro país. Foi o que aconteceu com a Alemanha quando o nazismo tomou o poder. Os grandes cientistas debandaram para outros países, especialmente para os EUA, levando seu saber que se transformou em produtos com enorme valor agregado. E isto ainda não está dando pra se ver.

Em todo caso temos de ficar "ligados". Mantendo nossa canoa na direção certa, seguindo o fluxo bom do mundo. Falei canoa, mas devia ter falado "nossa bike". Afinal é andando em cima dela que vejo melhor o que está acontecendo em minha volta.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Saia de tua Prisão




Ernest Mach (1838-1916), austríaco, era filósofo e físico, mistura interessante. e foi autor do livro Contribuição à Análise das Sensações. Ele entendia que cada ser humano é um “prisioneiro existencial”, ele está algemado ao real e seu comportamento é dirigido pelo acaso e pelo arbítrio da vida. Seu pensamento era que cada um cria para si (outros entende que recebe um destino ou missão) ou se ajusta a uma gaiola. Sua mulher, pelo caráter que tem, seus filhos da mesma forma, e seu emprego o cercam e o obrigam a um modo de agir. Está engaiolado. Penso no exemplo de um de meus filhos: ele trabalha na Barra e passa todo dia na frente do mar, sua vontade era pegar onda com uma prancha, mas as obrigações não o permite.
Um escritor da mesma nacionalidade, Arthur Schnitzler, leitor das obras de Mach, disse que nessa prisão a maioria se conforma, mas outros, “um certo número de indivíduos acreditam que estão evoluindo, mas de todas as qualidades que imagina estar melhorando, só a vaidade coincide com isso”. Não, para este escritor de Crônica de uma Vida de Mulher, o ser humano está preso a uma existência de imobilidade. Neste livro, a personagem é uma mulher que viveu no período dramático da derrocada do império austro-húngaro e viu a família perder todos os bens e o pai enlouquecer. Ganha o mundo pensando estar se libertando daquela prisão e vive uma existência de amores frustrados e fracasso na vida profissional. Continua presa a uma vida sem alegrias.
Para o filósofo e o escritor cada humano está numa jangada ao sabor do oceano e mesmo cercado de incertezas a vida costuma ser segura. Mas com o correr do tempo as partes que formam sua jangada começam a se soltar: a morte leva pessoas queridas e abre fundos buracos nos sentimentos, se aposenta ou é dispensado do trabalho que sabe fazer e não encontra outro ou perde bens que o sustentam. Sem mais uma segurança ou prisão existencial o homem se desintegra.
Porém, na própria história que Schnitzler escreveu, sua personagem, Therese Fabiani, imprensada pelas circunstâncias ainda consegue lutar e abrir um caminho em sua vida. Esta é a lição: na se acomode. Mesmo a saúde se ressente do comodismo. Por isto uns camaradas que não dão o braço a torcer deixam a cama quentinha numa manhã fria e sobem em suas bikes e pedalam, pedalam, fugindo de alguma coisa ou procurando algo. Tem gente que acha que nossa jangada, a gaiola dourada da gente, é nossa bicicleta. Pois não quero ficar sem minha gaiola!