segunda-feira, 30 de junho de 2008

Superioridade


Quando a gente anda nas trilhas tem sempre alguém que se queixa: "o ritmo está muito forte", "minha bike não está legal", "eu não estou legal hoje", "a gente devia ter ido por outro caminho". O crítico literário José Castello diz que para este alguém "a realidade nunca se submete a seus propósitos", e o cara fica difícil de aturar.



Castello lembra (O Globo 21/6/2008 p 4 Prosa & Verso) um verso de Fernando Pessoa e coloca na boca desses sofredores: "Cansa tanto viver! Se houvesse outro modo de vida!". O tal sujeito está num beco sem saída porque o problema dele "não é o de mudar o modo de vida ou do estilo de vida, mas precisa se livrar da própria vida".



Ele fala deste tipo a propósito de um livro de Carlos Heitor Cony, O Ventre, e de seu personagem, um tal Severo que diz ter nojo da vida: "Desprezo pela própria criação, que inclui sempre o imprevisto e o desagradável". Cony captura um pensaqmento daquela mente tortuosa: "A vida não vai mudar nunca. A vida não vale a vida".



Castello explica que "o nojo pressupõe mais que aborrecimento e incômodo, é fruto de um sentimento de primazia que coloca a pessoa acima do mundo medíocre". E este parece ser o estado de espírito da maioria das pessoas de nosso tempo, se sentir dono de tudo, supérior aos outros. Este pensamento dificulta muito. Castello pergunta, se colocando no lugar de um tal: "Para que criar, se tudo que geramos é imperfeito?" Paraliza tudo. Não será este "observar as coisas desde o alto e não aceitar a planície da imperfeição" o âmago da temida depressão?



Este pensador que gosto de ler diz que precisamos "aceitar a idéia de que estamos sempre a rascunhar a vida" e conclui: "Até a ilusão deve ser ser imperfeita ou seríamos só uma massa burra".



Nunca mais vou me queixar na trilha, mesmo que um freio ruim me faça deixar um pedaço de meu braço numa cerca de arame. C'est la vie!

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