sábado, 3 de março de 2007


LUC FERRY 1951- Ainda existem filósofos e este francês os define como sendo aqueles homens que procuram os meios de resolver os medos que impedem os seres humanos de viver ou viverem mal. Em seu caso ele vem se dedicando a entender o movimento de laicização no Ocidente. É a volta a idéia de que “Deus está morto”, ou ainda pior, que Ele nunca existiu. Ele diz que “você tem medo quando encontra alguém mais importante ou poderoso que você”.
“Na história da humanidade tivemos três discursos para enfrentar esses medos. O da religião, que propôs salvar as pessoas de seus medos através da fé e de Deus. A psicanálise que tenta combatê-lo através da técnica da transferência. E tem a filosofia, a doutrina da salvação laica, isto é, a salvação pela razão e por você mesmo”.
Parece que ele está falando de uma realidade que não se vive no Brasil, país de forte sentimento religioso. A devoção aos santos católicos é emocionante e o fervor evangélico parece cheio de uma nova vitalidade. Porém, como os movimentos sempre chegaram ao Brasil com décadas de atraso bem pode ser que a chegada por aqui deste pensamento laico seja só uma questão de tempo.
Luc entende que o desprezo pelas religiões oficiais segue o mesmo movimento que estava tornando a democracia um modo de convivência essencial a todos os povos, mesmo os mais atrasados: “A rejeição aos dogmas, ou seja ao argumento da autoridade, a reivindicação de autonomia e liberdade de consciência, a emancipação do político em relação ao religioso e o trabalho de solapa das tradições que foi realizado há mais de três séculos na Europa, e que caracteriza a laicidade, é um trabalho tão fundamental que sob muitos aspectos ele é irreversível. Ele o é pelo menos tanto quanto a própria democracia”.
Ele lembra as imagens de estátuas de homens poderosos (como Lênin e Sadam Hussein) e de símbolos fortes (como o muro de Berlim e as Tôrres gêmeas de Nova Iorque) que foram jogadas no chão diante dos olhos assustados e admirados dos povos de todo o mundo. “O que vimos no século XX foi a desconstrução de todos os valores. Todos os ídolos foram derrubados e com eles os valores morais, espirituais e políticos. Mesmo que alguns destes valores estejam de pé, ninguém acredita mais neles da mesma forma que acreditávamos antes”. Ele diz que tudo isto já havia sido previsto pelo filósofo Nietzche no livro O Crepúsculo dos ídolos no subtítulo Como se Filosofa com o Martelo.
Luc vai mais longe e diz que os valores deixaram de ser religiosos e morais para se equipararem a objetos de consumo, o que “possibilitou que a globalização liberal desabrochasse. Tudo virou mercadoria”. Se isto é bom e durável só o tempo vai dizer. As insustentáveis mudanças que o mundo moderno nos apresenta se tornam quase insuportáveis quando a pessoa não tem alguma certeza, aquela fé inabalável que a crença religiosa nos oferece. Então como enfrentaremos esta situação? Será que causará mais problemas emocionais, depressão, pânico e desânimo?
E nos tempos em que Deus, pátria e a certeza de que a ciência ia tornar o mundo melhor era o esteio dos humanos? Se as incertezas eram menores e a mente menos racional estava mais pacificada por outro lado muitas vidas se perderam em sacrifício em nome destas verdades. Quais serão os pontos de apoio das novas gerações? Luc diz que “perdemos quase tudo em termos de valores tradicionais, já que tudo se tornou mercadoria, com uma exceção: o amor uns pelos outros, em especial por nossos filhos”. Então, ele fala de um modo que pode ser bem contestado: “O amor pelos filhos na Idade Média na Europa não era algo muito importante”; mas nem hoje quando os pais trocam o sucesso na vida profissional e o trabalho de sustentar uma vida acima de suas condições abandonando os filhos, dando pouca ou nenhuma atenção a eles. Isto parece ser mais uma incerteza da vida do que um apoio seguro.
Apesar disso, Luc diz que o afastamento das crenças religiosas é um caminho sem volta e que o ser humano vai ter que encontrar outros valores para lhe servir de guia nesta vida.
www.ambafrance.org.br/abr/label/label25/sciences/ferry.html e O Globo, Prosa&Verso p. 2, 17/02/2007

Nenhum comentário: