sábado, 24 de março de 2007


JOHN UPDIKE 1932- Bem que tentei ler um livro dele, mas com frases compridas – a gente esquece do que ele começou a falar antes de chegar ao fim do raciocínio – não consegui. Agora estou lendo uma resenha de seu livro Terrorista sobre um rapaz de 18 anos, norte-americano, que se converte ao islamismo e é convencido – ou se convence – a explodir parte do monumento a Lincoln como um homem-bomba. Numa entrevista Updike segue o pensamento dos intelectuais do momento e que foi resumido muito bem por Garcia Márques: “A descrença é mais resistente que a fé porque é sustentada pelos sentidos”.
Updike avisa uma coisa que já percebi a algum tempo: os jovens podem ser mais cruéis e violentos que um homem da minha geração. “Os jovens têm hoje um modo diferente de encarar a morte, um modo que parece muito estranho para alguém da minha geração”. Eu mesmo tenho muito mais medo de ser assaltado por um homem novo do que por um marginal mais velho. “Não tem respeito pela vida dos outros e nem pela própria vida”.
Sobre o que provoca esta maneira de viver cheia de adrenalina e de outras drogas no cérebro ele dá sua explicação: “O capitalismo produz uma desilusão profunda com o futuro, uma desesperança que se infiltra nos menores gestos cotidianos. Daí o desespero de quem é capaz de pensar-se a si mesmo explodindo pelos ares junto a dezenas de inocentes. Nada vale a pena porque a própria vida não vale a pena ser vivida”.
Tenho o maior desprezo por este modo de vida globalizado de agora. Ontem, estava conversando com um casal amigo sobre como era a CSN há uns 20 anos atrás. Meu concunhado, marido de Lia, minha cunhada mais velha, morreu e deixou-a com duas filhas para criar. Um diretor da companhia, amigo do Tomaz, visitou a viúva e incentivou-a a fazer um exame para entrar na firma. Ela, menina criada no interior de Minas, só tinha uns dois anos de estudo. Como é que passaria numa prova para a enorme CSN? Ele lhe deu as respostas da prova, mandou que ela as decorasse e as escrevesse várias vezes e fosse fazer o exame. Ela passou e trabalhou muitos anos na Cia. Cuidava de plantas, fazia café, conversava sempre a animada com os funcionários de sua área e de alguma forma – como um ser humano valioso que era – contribuiu para o bem estar dos colegas e ajudou a “equipe” a produzir. Mas quando se lê que a Bayer comprou a Schering e vai mandar 6.000 funcionários embora, a gente fica danado da vida com a insensibilidade de uma sociedade que se preocupa mais em proteger o Capital do que as vida humanas.
Então, somos todos – como coniventes nesta safadeza – responsáveis pela violência do mundo. “Não existe para estes jovens qualquer perspectiva de mudar o presente, de transforma o mundo. Então, passa a ser banal pensar em explodir tudo. Qualquer coisa parece ser melhor do que o inferno da vida cotidiana”.Updike fala sobre a violência no Rio de Janeiro que diz ser “um extravasar de ódio, raiva e humilhação” de tantos jovens. “Todo mundo já ouviu falar da explosão de violência nas favelas cariocas, os crimes terrivelmente cruéis no Rio e em São Paulo. E em meio a esta crueldade estão jovens, às vezes adolescentes, que não se detêm diante de nada, que não pensam duas vezes antes de atirar, de explodir tudo”. Ele repete a acusação: “Mas há um sistema econômico cruel que nos atinge a todos, uns mais, a outros menos, mais ainda assim nos atinge a todos”.
Ele fala da distante Depressão, nos anos da década de 1920: “Eu me lembro da sensação de ser pobre. Era um sentimento de revolta. Eu me sentia traído pela vida, impotente para realizar meus sonhos. Imagino que os jovens hoje se sintam assim quando percebem que não terão oportunidades, que o sistema capitalista não vai dar a eles a menor chance de vencer na vida”. Mas existe aí um paradoxo! Ele mesmo, de menino pobre se tornou um dos maiores escritores norte-americanos! Então, será que o problema principal dos jovens não é o que os acometeu sempre, a impaciência?
Prosa&Verso, O Globo 17/03/2007

terça-feira, 13 de março de 2007


FRIEDRICH HOLDERLIN 1770-1843 Poeta, autor de Hiperion este alemão teve o privilégio de disseminar um pensamento que influenciou a vida do povo alemão no início do século XVIII e que foi denominado Idealismo alemão. Naquele momento o ser humano se esforçava para mesclar sua fé nos espíritos e sua crença no absoluto com o racionalismo que lhe era imposto pela ciência e pela relatividade de qualquer verdade diante de outras maneiras de viver que vinham tanto do Oriente quanto do Novo Mundo. Naquele livro, em poesia, ele dizia que “nem nosso saber nem nossa ação alcançarão em qualquer período de nossa existência o ponto em que é abolida toda contradição em que tudo é uno”.
Ele explicava que dentro de nós mesmo somos amparados por crenças e conceitos que nos mantém equilibrados, o problema começa porque temos que interagir com o mundo e precisamos moldar nossa maneira de pensar com as leis naturais que o mundo nos apresenta: “Com freqüência parece-nos que o mundo é tudo e que não somos nada, mas de outras vezes pensamos que somos tudo e que o mundo não é nada”. Já percebeu que quando saímos de casa bem cedo de manhã parece que estamos sozinhos na rua e, de repente, quando surge uma pessoa numa esquina sentimos como se ele estivesse invadindo nosso espaço, como se o mundo todo funcionasse só pra agente. Assim, o Idealismo era um jeito de pensar que ajudava a manter o individualismo das pessoas daquela época. Com certeza isto não serve mais para nós, hoje.
Leia os versos de OUTRORA E HOJE:Meu dia outrora principiava alegre;No entanto à noite eu chorava. Hoje, [ mais velho, Nascem-me em dúvida os dias, masFindam sagrada, serenamente.
www.algumapoesia.com.br/poesia2/poesianet178.htm

ZYGMUNT BAUMAN 1925- Professor emérito de Sociologia na Univ. de Leeds ele estudou as mudanças que levaram o ser humano a este mundo moderno e a era do Consumismo que está colocando em perigo o equilíbrio de nosso planeta e que possibilitou o surgimento da vida aqui. Foi ele que chamou a nossa maneira de viver de fluídica, em contraposição à solidez que buscavam as gerações passadas.
Um tanto pessimista ele ensina que esta liquidez humana atual torna a existência uma sucessão de experiências rápidas e sem profundidade. Assim, parece que Bauman julga nosso tempo como sendo de menor valor do que o dos seus tataravôs. “A vida líquida é uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante”. Ele não pode ter esquecido que foi esta existência de perigo constante que construiu a própria espécie humana! De qualquer forma atesta que em nosso tempo a morte rápida e o reinício se tornou um acontecimento constante e interminável. Em Vidas Desperdiçadas ele diz que “tudo é descartável, substituído, e logo depois substituído de novo, numa sucessão de colapsos”. Mas reconhece que mais uma vez a lei insensível da Seleção natural está moldando um novo homem “com identidade frouxa e desejos extremos que se consideram em casa em muitos lugares”. Decreta que para tais “o importante não é saber quem você é, mas quem você deixou de ser”.
Faz-nos lembrar Picasso desconstruindo a pintura com seu Cubismo e que dizia: “Quando pretendem me classificar em uma categoria, já me transformei, já estou em outra parte”. Assim parece que esta experiência atual que transformou o romântico namoro em um prático “ficar” abre um leque infinito de possibilidades para o ser humano ao passo que estilhaça as certezas e os antigos dogmas. E não foi sempre assim que evoluímos? José Castelo sentencia: “Se o mundo líquido estimula o consumo veloz desconstruindo descarte, ele estimula também o desejo de criar”. Bauman listava algumas vantagens deste nosso modo de vida: “Ele pode nos levar ao espírito de aventura, a uma imaginação mais expandida, a riscos férteis da liberdade íntima e nos aproximar de nós mesmo”. Muitos temem este viver a beira do abismo e correm para se agarrar a certezas que já deviam estar a muito tempo descartadas, como as crenças religiosas antigas.
Bauman se inquieta com a sanidade mental de gentes que não tem tempo para nada demorado e teme pela perda da identidade deles. Mas não foi isso que antigos buscadores da verdade ensinavam (como Buda), dizendo que precisamos vencer o desejo e precisamos diluir-nos na unidade do Universo? Na foi o que ensinou o mestre Jesus: “Portanto, não fiquem preocupados, dizendo: ‘Onde é que vou arranjar comida, bebida e roupas?’ Os pagãos estão sempre procurando estas coisas”. Não parece que estamos nos aproximando daquele desejo antigo do homem: um dia ser um espírito sem mais nenhuma razão para preocupação?
www.klepsidra.net/klepsidra23/modernidade.htm

sábado, 3 de março de 2007


LUC FERRY 1951- Ainda existem filósofos e este francês os define como sendo aqueles homens que procuram os meios de resolver os medos que impedem os seres humanos de viver ou viverem mal. Em seu caso ele vem se dedicando a entender o movimento de laicização no Ocidente. É a volta a idéia de que “Deus está morto”, ou ainda pior, que Ele nunca existiu. Ele diz que “você tem medo quando encontra alguém mais importante ou poderoso que você”.
“Na história da humanidade tivemos três discursos para enfrentar esses medos. O da religião, que propôs salvar as pessoas de seus medos através da fé e de Deus. A psicanálise que tenta combatê-lo através da técnica da transferência. E tem a filosofia, a doutrina da salvação laica, isto é, a salvação pela razão e por você mesmo”.
Parece que ele está falando de uma realidade que não se vive no Brasil, país de forte sentimento religioso. A devoção aos santos católicos é emocionante e o fervor evangélico parece cheio de uma nova vitalidade. Porém, como os movimentos sempre chegaram ao Brasil com décadas de atraso bem pode ser que a chegada por aqui deste pensamento laico seja só uma questão de tempo.
Luc entende que o desprezo pelas religiões oficiais segue o mesmo movimento que estava tornando a democracia um modo de convivência essencial a todos os povos, mesmo os mais atrasados: “A rejeição aos dogmas, ou seja ao argumento da autoridade, a reivindicação de autonomia e liberdade de consciência, a emancipação do político em relação ao religioso e o trabalho de solapa das tradições que foi realizado há mais de três séculos na Europa, e que caracteriza a laicidade, é um trabalho tão fundamental que sob muitos aspectos ele é irreversível. Ele o é pelo menos tanto quanto a própria democracia”.
Ele lembra as imagens de estátuas de homens poderosos (como Lênin e Sadam Hussein) e de símbolos fortes (como o muro de Berlim e as Tôrres gêmeas de Nova Iorque) que foram jogadas no chão diante dos olhos assustados e admirados dos povos de todo o mundo. “O que vimos no século XX foi a desconstrução de todos os valores. Todos os ídolos foram derrubados e com eles os valores morais, espirituais e políticos. Mesmo que alguns destes valores estejam de pé, ninguém acredita mais neles da mesma forma que acreditávamos antes”. Ele diz que tudo isto já havia sido previsto pelo filósofo Nietzche no livro O Crepúsculo dos ídolos no subtítulo Como se Filosofa com o Martelo.
Luc vai mais longe e diz que os valores deixaram de ser religiosos e morais para se equipararem a objetos de consumo, o que “possibilitou que a globalização liberal desabrochasse. Tudo virou mercadoria”. Se isto é bom e durável só o tempo vai dizer. As insustentáveis mudanças que o mundo moderno nos apresenta se tornam quase insuportáveis quando a pessoa não tem alguma certeza, aquela fé inabalável que a crença religiosa nos oferece. Então como enfrentaremos esta situação? Será que causará mais problemas emocionais, depressão, pânico e desânimo?
E nos tempos em que Deus, pátria e a certeza de que a ciência ia tornar o mundo melhor era o esteio dos humanos? Se as incertezas eram menores e a mente menos racional estava mais pacificada por outro lado muitas vidas se perderam em sacrifício em nome destas verdades. Quais serão os pontos de apoio das novas gerações? Luc diz que “perdemos quase tudo em termos de valores tradicionais, já que tudo se tornou mercadoria, com uma exceção: o amor uns pelos outros, em especial por nossos filhos”. Então, ele fala de um modo que pode ser bem contestado: “O amor pelos filhos na Idade Média na Europa não era algo muito importante”; mas nem hoje quando os pais trocam o sucesso na vida profissional e o trabalho de sustentar uma vida acima de suas condições abandonando os filhos, dando pouca ou nenhuma atenção a eles. Isto parece ser mais uma incerteza da vida do que um apoio seguro.
Apesar disso, Luc diz que o afastamento das crenças religiosas é um caminho sem volta e que o ser humano vai ter que encontrar outros valores para lhe servir de guia nesta vida.
www.ambafrance.org.br/abr/label/label25/sciences/ferry.html e O Globo, Prosa&Verso p. 2, 17/02/2007